Pode ser que hoje em dia você não se importe muito com os
quadrinhos escritos por Brian Bendis. Afinal, nestes últimos anos suas
histórias não tem tido um grande impacto. Culpa da editora? Do autor? O fato é
que Bendis é um autor de literatura policial, e colocá-lo em títulos de grande
visibilidade como Vingadores e X-Men não se mostrou uma decisão muito certa da
Marvel. Mas nos idos de 2001, ele era um dos nomes mais quentes da editora. E
ao se juntar ao artista búlgaro Alex Maleev, fez história com uma das mais
aclamadas fases do Demolidor até hoje. Vamos fazer um breve resumo de cada arco
de histórias feito pela dupla, que começou a trabalhar junto a partir da edição
#26 do segundo volume da revista Daredevil.
Em seu primeiro arco juntos a frente da revista, os dois
autores já promovem uma mudança significativa no status quo de alguns
personagens. Sammy Silke, filho de um dos associados de Wilson Fisk (Rei do
Crime), descobre que Matt Murdock é o Demolidor. E pior, seu chefe descobriu
isso a muitos anos e nunca fez nada, preferindo manter sobre Murdock uma
espécie de ameaça velada.
Junto a outros descontentes, entre eles o filho do Rei
(Richard), eles atraem Fisk a uma armadilha ao estilo Idos de Março, e pasmem,
matam o outrora poderoso Rei do Crime de Nova York.
Os novos mandachuvas da cidade colocam então um prêmio pela
cabeça do Demolidor, ou melhor, de Matt Murdock. Que começa a ser alvo de
vários atentados em sua identidade civil. Deixando-o paranoico por não saber em
quem confiar. Qualquer um pode ser o assassino.
Sammy Silke e sua “turma” só não contavam com a vingança da
viúva do Rei, Vanessa. Depois de anos morando na Europa, ela retorna aos E.U.A.
e promove uma verdadeira chacina no submundo.
Todos envolvidos na morte de
Wilson Fisk acabam sofrendo o mesmo fim, ela mesma chega a matar o próprio
filho em uma sequência sem diálogos muito bem feita. Após tudo, Vanessa resolve
levar seu comatoso marido (sim, ele não morreu) para fora do país e leiloar o
império do Rei em partes.
Quanto a Silke, só
restou procurar abrigo no F.B.I., negociando sua informação mais preciosa...
Quem é o Demolidor.
Vol. 05 - Revelado e Julgamento do Século (Out & Trial
of The Century, Daredevil #32 - 40).

Mas a cereja do bolo deste arco é sua segunda parte. Lembram-se
de Hector Ayala, o Tigre Branco? O personagem vai a julgamento por um crime que
não cometeu e o único que pode ajuda-lo é seu advogado, Matt Murdock. Claro, o
circo da imprensa em torno do advogado se faz mais importante do que o
julgamento em si, mas a trama se desenvolve num ritmo muito bom, quase o de uma
série de TV. São três edições em que o personagem não veste seu uniforme
nenhuma vez e com um final arrebatador.
Vol. 06 - Vida Bandida (Lowlife, Daredevil #41 - 45).

Gosto da personagem, apesar de saber que todas as mulheres
que se envolvem com Matt Murdock costumam não ter um destino agradável. Milla é
inteligente, engraçada, perspicaz, e nunca deixou sua condição a afastar do
mundo (ela é cega de nascença) e... Puxa, ela é a cara da Audrey Hepburn. Não
tem como não gostar dela.
Mas como nem tudo são flores, o Demolidor precisa lidar com
os “herdeiros” do império do Rei. Entre eles o Coruja e sua nova droga, o MGH (hormônio
de crescimento mutante), que aumenta temporariamente algum talento latente em
seu usuário. Ao final, temos a vingança de Wilson Fisk contra Sammy Silke.
Vol. 07 - Barra Pesada (Hardcore, Daredevil #46 - 50).

Eu esperava mais deste arco, sobretudo devido à volta de
Mary Typhoid, minha personagem favorita da fase de Ann Nocenti nos roteiros de
Daredevil (1986 - 1991). A “desprogramação” feita pelo Rei em sua antiga
associada - fora hipnotizada anos atrás -, trazendo de volta sua personalidade
maníaca homicida é interessante, mas sua luta contra o Demolidor não dura uma
edição inteira. Fica a impressão de que o autor queria apenas dizer:
- Olhem aqui, eu conheço personagens antigos. Eu também
cresci lendo quadrinhos.
A luta contra o Mercenário é um pouco melhor. Luta? Deveria
dizer surra! Cansado de ver o vilão matar pessoas ligadas a ele, Matt dá uma
sova homérica no Homem-que-Transforma-Tudo-em-Arma, que ainda teve de aguentar
o discurso moralista do herói. Só pelo fato de o Mercenário estar usando um
traje horrível baseado naquele filme também horrível, já merecia essa surra.
Ao final, Murdock interrompe uma reunião de Fisk com outros
mafiosos e o espanca sem piedade (Matt tá batendo em todo mundo).
Apenas uma surra não resolve. Então o Demolidor amarra Fisk
ao capô de um carro e invade o Bar da Josie com ele (um cego dirigindo um carro
com um cara amarrado no capô, alôôô polícia). O herói então “retira” sua
máscara frente aos presentes e declara que qualquer um que vender drogas,
roubar ou se prostituir, deverá mudar de vida ou de lugar. Ele agora é o Rei da
Cozinha do Inferno. Não importa se você é uma pessoa de esquerda ou direita, o
discurso de Matt Murdock, com Wilson Fisk a seus pés, é de arrepiar os cabelos.
Vol. 08 - Echo, Vision Quest (Daredevil #51 - 55).
Arco escrito e desenhado por David Mack, estrelado pela
personagem Echo. Devido a muitos compromissos com a editora, Bendis se ausentou
da revista por alguns meses.
Vol. 09 - O Rei da Cozinha do Inferno (The King of Hell’s
Kitchen, Daredevil #56 - 60).

No mais vemos a luta do Demolidor para livrar seu bairro do
MGH, fato que se mostra quase impossível. Uma vez nas ruas, uma droga nunca
mais sai. Ao final temos uma surpresa: Matt e Milla se casaram em segredo meses
atrás.
Vol. 10 - A
Viúva (The Widow, Daredevil #61 - 65).

Gosto da forma como Bendis escreve a Viúva Negra: uma mulher séria, independente, que não deve nada a ninguém e flerta com quem quiser (muito melhor do que em Diabo da Guarda, escrito por Kevin Smith). Ao final da história, depois de toda a ação e com tudo resolvido, Matt continua devastado com a decisão de Milla. Então a Viúva Negra chega perto e fala em seu ouvido:
- Daqui uma semana, quando estiver sozinho em seu quarto, você perceberá que deveria ter dormido comigo Murdock.
Você esperava palavras amigáveis ou de consolo? Não!
Natasha é uma espiã fria,
calculista, insensível... E adorável!
Vol. 11 - Era de Ouro (Golden Age, Daredevil #66 - 70).

Os diferentes estilos de desenho usados para retratar as fases da vida de Bont são o maior atrativo deste arco. Pessoalmente eu acho a ideia de "outro Rei" um tanto desnecessária, visto que em fases passadas já havia sido mostrado que Fisk foi o primeiro a unir as quadrilhas e gangues de Nova York sob seu jugo.
O pior é o descaso cronológico. Se Bont foi preso durante a década de 1970 e quando solto já estava com noventa e um anos, como Murdock não envelheceu? Ele deveria estar com cinquenta, sessenta anos no mínimo.
Enfim, este é o arco menos empolgante de todos e a morte do vilão (overdose de MGH) é meio sem graça. Esse era um personagem do Bendis e morreu com o Bendis.
Vol. 12 - Decálogo (Decalogue, Daredevil #71 - 75).

Existe algo sombrio que une essas pessoas e aí reside o problema dessa história, seu final. A guinada sobrenatural da última parte parece forçada, e o bebê de Rosemary/demoníaco (redundante, eu sei) criado por um renegado do Tentáculo não funciona muito bem. Se ao invés disso tivéssemos Mephisto - que possui um passado com Matt Murdock -, faria mais sentido.
E que diabos de clã secreto é o Tentáculo, que deixa viva uma pessoa "expulsa" de suas fileiras?
Vol. 13 - O Dossiê Murdock (The Murdock Papers, Daredevil
#76 - 81).

Wilson Fisk, em custódia do F.B.I. desde a surra aplicada
por Murdock no arco “Barra Pesada”, propõe um acordo a agência: tudo o que sabe
sobre o Demolidor em troca do perdão de seus crimes e uma passagem para fora do
país. Tudo compilado em documentos a muito escondidos. O tal Dossiê Murdock.
O problema é que duas outras pessoas também sabem da
existência destes documentos - Elektra e Mercenário. Dando início a uma corrida
para ver quem chega primeiro ao local onde a vida do Demolidor está toda
registrada.
Depois de dois arcos relativamente parados, é muito bom ler
algo repleto de ação, reviravoltas (a revelação feita por Fisk é impagável) e
um final que faz você se perguntar: ok, como o próximo roteirista vai continuar
agora?
Existe também um forte sentimento de despedida do autor para
com a série. Praticamente TODOS os personagens que permearam as páginas durante
esses anos aparecem. Inclusive Milla, que retoma seu relacionamento com Matt...
Apenas para vê-lo ser levado sob custódia ao final da história.
E assim acaba a fase de Brian Bendis e Alex Maleev a frente
de Daredevil. A próxima fase, de Ed Brubaker e Michael Lark resolveu o abacaxi
deixado pela última edição de Bendis, criou outros problemas para o Homem Sem
Medo e conseguiu ser tão relevante quanto. Mas isso é outra história...
Juliano Bittencourt